segunda-feira, 12 de junho de 2017

Entrevista: Vania Dohme

Vania Dohme é Professora, mestre em
Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie e doutora em Comunicação e
Semiótica pela PUC-SP. 

Entrevista: 

1 Em sala de aula, as histórias servem como

ferramenta de aprendizagem. Existe alguma 
maneira pela qual ela pode ser mais bem explorada?

As histórias dão contexto às diversas situações que
enfrentamos na vida, algumas delas difíceis de serem 
explicadas de forma isolada, por isso as histórias são 
importantes principalmente para as questões emocionais 
e comportamentais. Além da reflexão sobre o conteúdo 
que as histórias proporcionam, elas trabalham com o 
raciocínio, à medida que a criança acompanha a sucessão 
de fatos; com a imaginação, à medida que ela desenha 
cenários na sua mente; senso crítico, à medida que faz 
seus próprios julgamentos dos acontecimentos; e, 
como consequência, desenvolve a criatividade pela 
quantidade de referências que acumula. Para potencializar 
esses efeitos, podemos usar recursos que possam 
trabalham mais a história, por exemplo: depois de 
contada, as crianças podem fazer um desenho livre sobre 
a história, pode ser uma passagem, pode ser um 
personagem, isso fará com que elas elaborem os conceitos 
apreendidos, permitindo uma maior absorção. Em seguida, 
pode-se fazer uma exposição de todos os desenhos, isso 
fará com que as crianças percebam outras formas de se 
ver a história. Esses trabalhos tão simples são de grande 
valia para o desenvolvimento da criança.  Na história de 
Cinderela, a fada se atrasou e a moça ficou sem seu lindo 
vestido, mas foi da mesma forma ao baile; como será que 
ela fez? Enfim, existem muitas formas: pedir que façam 
uma apresentação com fantoches, por exemplo, como 
também diversos jogos que permitam essa expansão do 
momento mágico da contação da história.

2 “Contar histórias” funciona apenas com crianças?


Funciona para todas as idades. Na verdade vivemos 
contando histórias para exemplificar aquilo que desejamos 
dizer, um fato passado, um testemunho de uma situação 
análoga acontecida com um conhecido ou com uma pessoa 
pública. Hoje a propaganda comercial fala muito em 
“storytelling”, que vem a ser o quê? O produto e a marca 
envolvem os seus possíveis consumidores com uma história 
de amor, de heroísmo, de superação. E o que é o cinema, 
a televisão, o teatro, se não criar uma situação de 
envolvimento, se possível, arrebatador, com os seus 
receptores. Mas se formos falar da situação formal de 
contar uma história, da mesma forma que utilizamos com 
crianças, também é possível, escolhendo-se uma história 
que seja adequada à compreensão do adulto e, é claro, 
usando-se das técnicas habituais do contador: cadência 
no enredo, uso correto da voz, das expressões faciais e 
corporais.

3 Existe diferença entre ler e contar histórias?


Muito diferente. Quando se lê uma história para crianças, 
trata-se do autor se comunicando com as crianças; o leitor 
figura apenas como um termodinâmico imparcial. Quando 
se conta uma história, quem se comunica é o contador. 
Isso faz muita diferença. O contador pode dar ênfase às 
partes que julga mais importantes perante a mensagem 
que deseja transmitir; outro fator é que ele está validando 
o conteúdo do autor. A criança entende que aquele que 
conta, que sempre será alguém próximo, pais, avós e 
professores, concorda com o conteúdo que está sendo 
transmitindo. E por último, em relação à afeição, embora 
ler para as crianças seja aconchegante e um ato de amor, 
a contação é mais íntima, permite maior envolvimento 
entre os participantes, que acontece com o olhar, os 
gestos, e um desenrolar apropriado ao feedback que 
os ouvintes estão dando.

4 Contar histórias é algo que se aprende?


Sem dúvida. Em minha opinião, tudo se aprende, basta
querer! O que está errado é se limitar ao fato de que 
algumas habilidades são inatas e ponto. Se tem, bom; 
se não tem, que pena! Contar histórias se aprende e há 
muito que se aprender, pois o contador de histórias é 
um ator, com nuanças de atuação diferentes, pois um ator, 
na maioria das vezes, 
contracena com outros atores e dessa forma vai compondo 
o entendimento. Mas o contador atua sozinho e dessa forma 
tem que suscitar todas as emoções. Pensando no contador 
educador, a responsabilidade é maior, pois ele deve escolher 
as formas corretas de passar a mensagem educacional e, ao 
mesmo tempo, encantar... Como o ator, o contador deve 
escolher as palavras corretas, a cadência de narração dos 
fatos com o timing adequado, para prender a atenção das 
crianças, o uso correto de entonação, volume e velocidade 
da voz e as expressões faciais e corporais. A narração de 
histórias pode ser acompanhada de recursos auxiliares, 
como o uso de fantoches, bocões, marionetes, o que 
também irá necessitar de aprendizado. 


5 Como estimular a leitura entre alunos de idades diferentes?


Responder a essa pergunta não é fácil, pois creio que 
muitos editores, como também os professores, 
principalmente os universitários, estão procurando essa 
resposta. Os jovens nos dias de hoje leem muito pouco,
infelizmente. Esse fenômeno que já era marcante em 
nosso país se intensificou com a internet. Não que ela 
seja ruim, longe disso; pelo contrário, a internet é uma 
forma de os jovens obterem mais informações. Mas o 
que acontece é a rapidez com que essas informações 
são obtidas, e a sua profusão gera uma impaciência em 
todos nós; queremos saber de tudo e rapidamente! 
Assim, ler um livro, para quem nasceu na era digital, 
torna-se quase um suplício... Eu acho que o estímulo 
à leitura é uma atividade constante e incansável; 
a contação de histórias e a prática da representação
estimulam a leitura. Não penso que exigir uma resenha 
funcione; acredito em criar atividades interessantes 
que cativem o jovem à participação e que tenham 
como apoio um livro ou um trecho dele. Acredito que 
o professor deva utilizar na sala de aula elementos 
que façam parte do dia a dia das crianças e jovens de 
hoje, como filmes, seriados, games, blogs, e procure 
ligá-los à leitura. Não há necessidade de fazer com 
que se leia um livro específico; há necessidade de 
estimular a busca, a pesquisa, o discernimento entre 
o que é de qualidade e o que não é; deixar que cada 
um siga o caminho que lhe interesse, que o envolva 
e o encante. A nós, educadores, não cabe mandar, 
talvez até, com exagero de retórica, nem se falar em 
estimular, mas apenas em apontar... para deixar que 
o mundo mágico dos diversos conhecimentos o cative!

Fundação Observatório do Livro e da Leitura

Nenhum comentário:

Postar um comentário